Entrevista do nosso Bastonário ao jornal Oje
Publicado em Out, 10, 2011

Rui Leão Martinho: “O programa de austeridade não pode aumentar o número de excluídos”

Rui Leão Martinho, bastonário da Ordem dos Economistas, faz um apelo à manutenção da coesão nacional, sob pena de comprometer os objectivos de retoma. A poucos dias do 4º Congresso Nacional, o Bastonário lança algumas ideias daquilo que poderá ser Portugal a 10 anos. Para o momento actual ficam as críticas à liderança europeia.

 
Portugal estará no euro dentro de 10 anos?

Continuo a ver Portugal dentro do euro e continuo a ver o euro como a moeda da UE. O projecto de criação da moeda única é um projecto de continuidade. Qualquer ideia que se tenha para alternativa ao euro fará ruir o projecto tal e qual como o conhecemos. Aceito a crítica que a moeda tem um valor muito elevado, o que traz problemas para as exportações europeias. A minha ideia a 10 anos é de continuação do euro, passada esta fase de grande dificuldade e de grande crise que veio de fora, que se propagou à Europa e que temos de ultrapassar nos próximos três a cinco anos.
 
Vê Portugal, dentro de 10 anos, numa Europa federalista?

O caminho que se vê anunciado, por políticos de vários quadrantes, é no sentido do federalismo. Há acerca de 20/25 anos quando o tema era falado por governantes, grande parte dos quais já afastados da vida política activa, era considerado algo anti-patriótico. Hoje, há outra maneira de entender as coisas. Percebe-se que para fazermos parte de uma unidade como é a UE temos de congregar esforços e, conjuntamente, fazermos uma barreira que possa fazer frente a outros interesses que existem nos EUA ou nas novas forças dos países emergentes e do Oriente. Por isso, o caminho da federação está em aberto e começa a ser entendido por todos. Não será uma federação de imediato, teremos vários passos, mas a partir do momento em que estejamos de acordo para um novo governo económico da Europa, para depois passamos a um orçamento europeu, a entidades europeias e a autoridades europeias, poderemos aspirar à tal federação política e económica. Acredito que dará à UE mais força e mais capacidade de diálogo com os EUA, um eterno aliado mas, ao mesmo tempo, concorrente. Estamos a viver com algumas críticas do presidente americano à maneira como os europeus, os seus pares, têm dirigido a crise na Europa. Vemos que há aqui uma aliança vigilante de ambos os lados. Embora possamos ter caminhos paralelos há também uma grande competitividade entre os dois blocos.
 
A Europa vive uma crise de liderança, uma ausência de liderança ou o caos na liderança?

Vive uma crise que penso ser de liderança, mas que é também uma crise que se conjuga com a tal crise económica e financeira. Notamos mais essa crise de líderes se a compararmos com os líderes numa fase anterior do processo de unificação europeia. Na altura em que aderimos, em que começámos a receber os auxílios europeus para nos desenvolvermos, para nos aproximarmos a média europeia, tudo o que na Europa se desenvolvia não dava mostras de deixar a nu as menos capacidades ou incapacidades dos seus líderes. No momento em que a crise se instala, temos a sensação de que não temos os líderes à altura das circunstâncias.

Na Europa temos de encontrar a tal capacidade de unificação e de unidade e, para isso, só temos o tal caminho de uma plataforma de governo económico e uma plataforma de orçamento comum. Por último, teremos o caminho da UE numa federação de Estados e que, acredito, poderá ser o culminar de toda esta transição.
 
Com as indefinições do MEE e com as declarações da chanceler Angela Merkel e de outros políticos mais rígidos, é correcto afirmar que estamos perante uma Europa anti-social e antagónica aos princípios de Delors?

Esta é uma Europa diferente da de Delors. Aquilo que foi concebido foi uma Europa pós-guerra, que tinha uma grande preocupação social. Continuamos a tê-la. Penso mesmo que esta é a parte do mundo com maior preocupação social. Só que temos menos condições, ou seja, menos dinheiro. Como tal, teremos de nos adaptar nessa Europa social àquilo que é possível pagar.
Isto não quer dizer que passemos por cima do aspecto social e do aspecto da coesão social que é importante na UE como um todo. Teremos de fazer tudo isto com menos recursos, e com a mesma força para não deixar, de qualquer forma, entrar na exclusão mais cidadãos. A preocupação social na Europa existe, tem é de ser adaptada aos tempos e estes são de contenção.
 
A solvabilidade da banca é um tema central nas preocupações europeias. A solução pode significar um corte no financiamento global?

É um dos temas que o presidente Obama fala relativamente à Europa e que ele pensa que deve ser feito. Mas, como fui supervisor da área financeira, gosto de começar pelo princípio e conheço bem o andamento da indústria nos últimos 12/15 anos. A Europa tem tido uma grande capacidade de desenvolvimento ao longo destes anos na regulação e supervisão nas áreas financeiras, nomeadamente na banca. Tem maiores exigências e determinada maneira de analisar e controlar essas actividades do que a maioria dos outros países. Não falta na Europa nem regulação, nem supervisão. A banca tem feito os testes de resiliência mais do que uma vez.
Há casos em vários países de bancos em maiores dificuldades, mas há que ter a capacidade de, em cada momento, identificar as situações, aumentar os capitais de forma suficiente para poderem responder às exigências de solvabilidade e também para a actividade para que elas foram criadas, uma actividade prestação de crédito às empresas e cidadãos.
Em Portugal temos tido uma banca muito resiliente, que tem tido uma condução muito positiva. Não temos casos conhecidos de dificuldades de bancos que não possam ser superados por um aumento de capital, ou por uma desalavancagem na sua actividade. Aliás, os grandes bancos já estão a fazer isso.

Em matéria europeia penso que a situação está relativamente bem controlada. Em cada país sabe-se quais são as entidades bancárias que precisam, efectivamente, de maior controlo, ou que precisam de maior capitalização. A minha leitura é que a banca europeia está regulada e supervisionada de forma a que tudo se passe como se tem passado até agora. Não teremos grandes surpresas.
 
A nível de crescimento na Europa, há duas mensagens não coincidentes, a do FMI e a dos dirigentes da UE. Qual é aquela que se aproxima da realidade?

O FMI fez uma previsão relativamente positiva no início do ano, depois foi reduzindo à medida que o ano foi avançando e hoje tem uma perspectiva mais baixa. A Europa, por seu lado, tem um conhecimento mais aprofundado do seu território e dos seus países aderentes. Quero crer que para a Europa é mais fácil ter, com base nos elementos dos países integradores da UE, uma previsão do crescimento país a país e depois da UE no seu global, do que porventura outras instituições. Claro que sem colocar em causa a credibilidade do FMI, que é muito elevada, sobretudo a sua experiência.

O que precisamos é que as previsões, independentemente da amplitude, sejam no sentido do crescimento. Se a UE precisa de continuar a crescer mais, Portugal precisa de muito mais, pois temos de ter por objectivo estar na média da UE.

Precisamos de manter na Europa e nos EUA um índice de crescimento que permita, pelo menos, manter aos cidadãos desses países um nível de vida semelhante ao que têm tido nos últimos anos.
 
Considerando as actuais condições, como é que se pode colocar Portugal a crescer com quebra de competitividade, quebra de consumo e fortes restrições no crédito bancário?

A parte mais difícil para Portugal é voltar a crescer. Portugal tem tido períodos em que o crescimento é notável, mas que depois são ultrapassados por situações de maior dificuldade. Desde o final do século passado que se registou uma estagnação do crescimento no país. A questão das exportações está reduzida a um número de sectores muito pequeno, a um número de companhias bastante reduzido, e embora o crescimento de novas exportações e o alargamento de novos mercados seja uma realidade, temos de fazer mais, e muito depressa. O tempo urge, pois está a reduzir-se despesa do outro lado da equação e a repagar-se dívida. Estamos num período de grande austeridade.

Não há medidas milagrosas para crescer. Os vários analistas, pensadores e economistas têm avançado com as várias sugestões. Algumas delas foram agora anunciadas pelos responsáveis governamentais e penso que outras virão dentro da proposta de OE para 2012. Precisamos de factores positivos e favoráveis ao crescimento, nomeadamente investimento privado nacional ou externo para começar a desenvolver determinado tipo de áreas e criar postos de trabalho.
Temos ainda privatizações calendarizadas que, além da receita, poderão tornar as empresas mais eficientes e internacionais. Temos de desenvolver um sistema fiscal que seja mais favorável ao crescimento das empresas e à criação de postos de trabalho em sectores exportadores ou em sectores que substituem exportações.
 
Este Governo está a fazer cortes cegos em algumas áreas, nomeadamente as que afectam a população mais débil?

Em apenas 100 dias seria impossível a qualquer elenco governativo trabalhar de forma diferente daquela que temos observado. Estamos condicionados pelo Memorando de Entendimento, sendo que nos encontramos numa fase inicial em que temos de demonstrar que conseguimos cumprir e mesmo que se pode ir um pouco mais além.

Claro que dentro das medidas anunciadas poderão ter existido problemas de comunicação. Mas, friso, estão a ser anunciadas medidas do lado dos custos, que envolvem cortes de fundos na administração local e central, mas também há medidas de apoio, caso das facilidades às PME, que estão preocupadas com a tesouraria e/ou com a falta de financiamento.

Tudo o que foi afirmado, e que será acrescido das medidas do OE de 2012, permitir-nos-á analisar, com rigor, o que está a ser feito. Não será, de forma alguma, um saldo negativo aquele que se poderá apurar nestes primeiros 100 dias.
 
Portugal pode tornar-se um país de muitos excluídos?

Todas medidas devem evitar a exclusão e fomentar, em alternativa, a coesão social. Sobre esta última direi que temos de fazer tudo para não a romper. Se ela não é sustentada de maneira positiva, poderemos ter situações semelhantes à de outros países, caso da Grécia. Toda a alteração da vida social é algo que não se pode ignorar.

Temos ainda a questão da exclusão. Temos sido um país, mesmo pequeno e pobre, com grandes preocupações sociais ao longo do tempo. Sabemos hoje que essas preocupações sociais, embora permaneçam, têm de ser resolvidas de outra forma, sabendo-se que há menos recursos. Friso que não podemos deixar, de forma nenhuma, que este programa de austeridade, que tem de ser implementado com muito empenho, venha trazer um maior número de excluídos.
 
Um recente relatório do Fórum dos Administradores mostrava debilidade na competitividade devido à disparidade entre o excelente comportamento do país a nível de TI e infra-estruturas, mas péssimo lugar a nível dos indicadores de base, como justiça ou trabalho. Como se pode modificar este cenário?

O Governo tem de pensar nesses aspectos que, como se sabe, estão contidos nos vários "items" do Memorando de Entendimento. Temos lá os custos de contexto muito bem identificados, e com metas relativamente bem programadas no tempo. O caso da justiça é um deles. Ela tem de ser célere e transparente e tem de resolver num período razoável. Os outros custos de contexto, que têm a ver com dificuldades burocráticas, terão de ser rapidamente ultrapassados.
 
Congresso de 19 a 21 de Outubro
Entre 19 e 21 de Outubro realizar-se-á o 4º Congresso Nacional dos Economistas. A temática deste ano será "Portugal nos próximos 10 anos" e tem como "keynote speaker" convidado Olli Rehn, comissário europeu dos Assuntos Comunitários.

Outro orador de relevo, e que já está confirmado, é o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira. O mesmo acontece com o governador do BdP, Carlos Costa. O congresso será encerrado pelo chefe do Governo, Pedro Passos Coelho.

Ao longo daqueles três dias, vários oradores debaterão a economia portuguesa, caso de Félix Ribeiro, João Salgueiro, Miguel Beleza e Vítor Bento. Por seu lado, António Mexia, José Honório, José Maria Ricciardi e Paulo Pereira da Silva falarão sobre as empresas e o futuro.
O Estado e a concorrência será tema para António Lobo Xavier, Jaime Quesado, João Amaral Tomaz, Mário Centeno e Velentí Pich. A questão da coesão social trará ao debate Carlos Moreira da Silva, Francisco Maria Balsemão, João Trigo da Roza e Luís Reis. Sobre os Palop e o desenvolvimento económico irão intervir Fátima Fialho, Judite Correia, Mira Amaral e Sousa Galito. Por último, na temática das relações económicas os convidados são Jorge Braga de Macedo e Manuel Enes Ferreira.

10/10/11, Por Vítor Norinha/OJE


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